The only real voyage of discovery consists not in seeking new landscapes, but in having new eyes. Marcel Proust


segunda-feira, 30 de maio de 2016

Ebook/Bio: A Força das Coisas

Ainda não havia lido nenhum livro de Simone de Beauvoir. Interessou-me a série biográfica: A Força das Coisas, A Força da Idade e Memórias de uma Moça bem Comportada. Há muitos outros que também são biográficos. Estou lendo por ora A Força das Coisas. Chamou-me atenção por ela relatar viagem que fez com Sartre ao Brasil.

Mas como uma coisa puxa outra fiquei a par das peças de teatro que ela e Sartre escreveram e já catei algumas para ler.
Neste A Força das Coisas Simone já percebe nuances do feminismo. O que a leva por esse caminho, pasmem é a amante do Sartre. Ela e Sartre tinham um casamento aberto. Viviam intelectualmente unidos, moravam juntos ou separados, mas cada um tinha liberdade para ter seus relacionamentos. Ele com sua namora americana e ela também com seu namorado americano. Depois outros namorados e namoradas. Ambos eram bissexuais. Embora ela não assuma em suas memórias, mas nas cartas e nos diários que ambos deixaram revelou-se muito mais sobre o casal. E um certo desencanto por eles também.

Viajavam muito. Ela sozinha ou com Sartre. Dando palestras e participando de estreias das suas peças ou lançamento de livros. Passavam meses em algum pais. Acho que viajaram pelo mundo todo, várias vezes.

Tinham um circulo de amigos invejável. De Camus, Merleau-Ponty, Breton, Picasso, enfim todos os que circulavam por Paris pós guerra  de 45. Mas Camus rompeu com Sartre por que Camus era de direita e Sartre de esquerda. Perderam muitos amigos por conta da polarização politica. Também relata a chegada De Gaulle ao poder. E as pessoas se manifestando nos cafés e restaurantes com Abaixo De Gaulle! Viva de Gaulle!

Simone conta como foi escrever o Segundo Sexo. Como foi a escolha do título. A recepção do primeiro volume foi boa, mas do segundo foi uma confusão. Passaram a ataca-la de todas as formas. Em público, como acontece hoje no Brasil com quem frequente restaurantes e hospitais. Ameças de morte, bilhetes ofensivos. Tudo porque ela ousou descrever a anatomia dos órgãos sexuais de ambos os sexos e dizer claramente para que eles serviam. Ousadia que nem os anatomistas da época o fariam.O tamanho do preconceito com o que deveria ser intimo e escondido se revela na reação machista e misógina não só de homens mas de mulheres também.

O relato da viagem de Sartre e Simone ao Brasil está no capítulo X. Eles vieram ao Brasil a convite de Jorge Amado e Zélia Gattai , onde permaneceram por dois meses. A viagem começa pelo Recife. Simone é a típica exploradora, muito comum nos dias de hoje, mas não tão comum em seu tempo. Ela queria ver tudo, saber tudo e se embrenhava nos lugares. Já havia lido Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala. Eu ainda não li.

Fizeram-na experimentar de tudo que se pode oferecer aos turistas: caipirinha, suco de frutas exóticas, como maracujá, para ela, feijoada, água de coco, cordel, Depois foi para Salvador onde encontrou Zélia Gattai. Jorge Amado não deixou de lhes mostrar a pobreza das cidades e os levou ao um terreiro de candomblé. Além de fazendas de cacau, cana de açúcar, hidroelétricas, plataformas de petróleo.

Sobre a Petrobras ela diz: "Pressionado por uma violenta corrente antiamericana, Vargas criou em 1953 a Petrobras: nenhum capital estrangeiro poderia , dai em diante, ser investido na exploração do petróleo, o que significava um golpe para as companhias petrolíferas americanas. Um ano mais tarde, o clã "americano' levou Vargas ao suicídio, mas o monopólio permaneceu."

Parece que ainda estamos lutando por esse monopólio. enquanto alguns querem entregá-lo aos petroleiros americanos de bandeja, outros morrem para protege-lo. Simone, se estivesse viva, veria que a roda gira e volta sempre no mesmo lugar.

Sobre a política ela diz: "No Brasil grassa a corrupção, face a um povo de insondável miséria e sem defesa, os ricos formam uma espécie de máfia, que só pensa em encher os bolsos, e o mais rápido possível. " Isso ela escreveu por volta de 1960-61, mas será sempre atual.

Depois do nordeste Simone e Sartre vão para o Rio onde circulam com os Amado e amigos deles por toda a cidade. Não era época de Carnaval por isso não havia atividade para mostrar a eles, mas era época de eleição já que a capital Brasília estava sendo finalizada e o Rio deixara de ser a capital do país. Jânio era o candidato mais popular com sua alegoria de varrer a corrupção do país. As pessoas usavam broches com uma vassourinha. Simone foi levada de lá para cá em comícios dividindo espaço nos carros com cabos eleitorais.

Depois foram a São Paulo para conferencias com estudantes e professores em universidades. Mas nessa viagem o centro das atenções era Sartre que militava em favor de Cuba e da independência da Argélia. Simone pouco falava em público. Parecia ser pouco conhecida entre as mulheres brasileiras, na sua maioria conservadores. Não leriam ou não aprovariam seus escritos. O Brasil era um terreno sem aceitação para o que Simone tinha para falar sobre os direitos das mulheres. Visitaram Santos.

Depois dessas conferencias o dono do Estadão os levou para suas fazendas no interior de SP, lá viram plantações de café, as condições dos empregados e dos administradores. Retornando ao Rio receberam diplomas de cidadão honorários e partiram para Belo Horizonte e Ouro Preto. Simone se encantou com Ouro Preto a ponto de dizer que se tivesse que viver no Brasil seria ali que moraria. De BH foram numa camionete para Brasília onde foram recebidos por Niemeyer que lhes explicou a sua arquitetura.

Sobre Brasília Simone anotou: "A rua em Brasília não existe e nunca existirá." Alusão as longas avenidas que só podem ser percorridas de carro, excluindo do convívio das pessoas que podem ir e vir a pé. Notou ou alguém lhe fez notar o termo "televisão de candango",onde os trabalhadores de seus barracos na rua assistiam os moradores nos prédios pois todos os prédios tinham em sua fachada vidraças que não eram cobertas com cortinas permitindo assim que se visse a atividade das pessoa em seus apartamentos.

Conheceram Kubitschek e quiserem ver índios. O que lhes mostraram foi uma reserva em Mato Grosso. Onde ela anotou: "Os índios de reserva levam uma vida tão artificial que parecem animais em um zoológico." Os índios mais naturais não lhes deixaram ver sob alegação de que eram hostis ao contato com civilizados.

Sob recomendação de alguns franceses que haviam visitado a Amazônia decidiram ir para Manaus, sem ninguém que os recebesse e sem conhecer alguém por lá a viagem foi uma decepção para Simone. Sobre Manaus ela disse: "A floresta da Tijuca tinha mais atrativos que Manaus." A umidade e o calor a incomodou muito. Depois apareceu um cônsul francês que os levou para um sobrevoou pela floresta e para um passeio de barco. Na época tentava-se prospectar poços de petróleo nos rios e a levaram para uma plataforma flutuante. Dali eles iriam para Cuba, mas quem deveria lhes enviar as passagens não apareceu e eles retornaram à Belém. Lá Simone fica adoentada e precisou permanecer no hospital por uma semana. Voam para Cuba onde havia rumores de que os americanos vão invadir a ilha. Amigos lhes alertam para não voltar à França pois há ordem de prisão para Sartre. Assim eles voam para a Espanha e agrandam aviso para poderem retornar. De Gaulle fecha todas as revistas e jornais de esquerda e promove uma caça as bruxas a ativistas que falam mal do país em prol de outros países com os quais a França não tem acordos.

Nessa época Camus e Merleau Ponty já haviam morrido. Simone faz questionamentos frequentes à velhice. 

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