O Homem de Ferro.

Um exemplo de como buscar silêncio e isolamento no Caminho pode ser uma tortura.

Um senhor de idade, holandês, de Haia, seguia sempre sozinho. Não falava outro idioma que o holandês o que não permitia qualquer outra comunicação com ele a não ser por mímica. Ele na verdade, não queria falar com ninguém. Queria ficar fechado nas suas conjecturas mentais.

Foto\; Jeane Dalbo -Estátua na praça de Burgos.

Mas a tentativa de socializar no Caminho é constante. Algumas pessoas não suportam a ideia de ver alguém isolado, quieto ou sozinho sem estar rindo, conversando, bebendo ou comendo algo num grupo. Às vezes,  me sentava para descasar em algum lugar, tirava as botas para arejar e massagear os pés e me perguntavam se eu estava me sentindo bem, se precisava de ajuda. Achava legal essa preocupação, mas depois de responder para todos que passavam ficava cansada das mesmas perguntas. Isso porque eu sentava bastante ao longo do caminho e tirava as botas. Acho que era a única que fazia isso.

O holandês talvez por não querer conversa acabava sendo hostil com as pessoas que encontrava especialmente nos albergues. Um espanhol relatou que foi sacudido por ele enquanto dormia porque estava roncando. Um italiano relatou que que chegou na sua cama e o holandês havia tomado posse dela. Houve uma discussão e a hospitaleira teve que intervir para que os dois não brigassem pela cama. Depois toda vez que o holandês passava por ele lhe mostrava o dedo indicador. Por fim o holandês ficou com fama de truculento e ai ninguém se aproximava mais dele. Teve um momento que estávamos num quarto e só tinha dois cobertores. Quem chegou primeiro pegou-os para si. O holandês queria um cobertor e como não tinha ele queria pegar um dos que já estavam sendo usados. Falei para ele pedir um para a hospitaleira. Ele quis saber como se falava cobertor e disse a ele para pedir uma  "manta".

O mais surpreendente foi quando me disseram que ele era pastor e estava no Caminho de Santiago porque tinha sido transferido de Haia para Amsterdam. Ele tinha três meses para decidir se ia para lá ou se encerrava sua carreira de pastor. Ele foi para o Caminho para tomar uma decisão.Estava apegado ao seu propósito.

No fim já via ele rindo e falando espanhol. O Caminho transforma até os mais duros e fechados.