The only real voyage of discovery consists not in seeking new landscapes, but in having new eyes. Marcel Proust


domingo, 22 de maio de 2011

Um Dia Com Elizabeth Bishop

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Desde que estreou em 2001 quis ver Um Porto para Elizabeth Bishop. Passaram-se dez anos e só agora o encontro foi possível nessa temporada de reestreia.



Depois de Ver "Quem tem Medo de Virgínia Woolf" com Esther Góis, está é a segunda peça sobre escritoras.

Já disse outras vezes que o que penso sobre monólogos. Tem lá suas vantagens e desvantagens. Mas parecem uma tendência cada vez maior entre atrizes.


“A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subsequente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério.“

Trad. Paulo Henriques Britto

Ouvir o poema mais conhecido de Elizabeth Bishop no palco, dito por Regina Braga tem outro sentido que lido em um livro ou na tela do computador. É como se a própria Elizabeth o estivesse recitando, com um elemento a mais, a interpretação da atriz. Outros poemas são intercalados ao texto, mas se vc. não os conhece e não os leu antes de ir para a peça não irá perceber que eles são o próprio texto.

Já se explorou a experiência da poeta no Brasil de varias formas. Começa com o livro "Flores Raras e Banalíssimas" de Carmen Lucia Oliveira. Este foi adaptado para um versão em filme "A Arte de Perder", projeto que se arrasta há anos sem ter ainda definição de quando será filmado. E o a peça de Marta Góis: "Um Porto para Elizabeth Bishop". O livro está focado na vida da Paisagista e arquiteta Maria Carlota Macedo de Soares, mais conhecida como Lota e o filme também pois neles Elizabeth gravita em torno de Lota. Ela é o acidente na vida de Lota. Já na peça, o foco está sobre a poeta e o olhar dela sobre o país, os lugares, os costumes, as pessoas e sobre sua companheira e seu circulo de amigos. A peça se baseia nas cartas (Uma Arte), em forma de diário, que Elizabeth escreveu no período em que morou no Brasil.

As impressões da poeta sobre o Brasil fazem a plateia rir. Achamos graça porque são cliclês históricos e cotidianos. Nos reconhecemos na descrição e no olhar estrangeiro. Ora de deslumbre, ora de incredulidade. Como as pessoas podem ser tão próximas, tão zelosas, tão amáveis em comparação com a frieza e o educação treinada dos americanos. Algumas das observações feitas por Bishop.

A peça é divertida, leve, direta, mesmo onde poderia ser mais dramática. Não faz apologias, nem explora ressentimentos. Não acusa nem julga Lota ou Elizabeth, mas deixa ganchos para reflexões.

Está claro que o Brasil e a acolhida que Elizabeth teve aqui foi um porto seguro, o colo que ela precisava num momento de depressão. Aqui ela se sentiu querida, amada, cuidada e em casa. Seu relacionamento com Lota, o mais duradouro, foi feliz, embora com muitas idas e vindas e em grande parte só não durou porque Lota se afundou no projeto de construção do Parque do Flamengo. Projeto que custou sua vida. Ela não soube admitir que havia fracassado, não por culpa sua, mas por ingerência e falta de recursos já que era um projeto público. Sua obsessão pelo projeto a cegou e ela não pode conter a vergonha do fracasso.

Elizabeth talvez tenha se ressentido por não ter sido nesse momento o colo que teve de sua companheira, por não tê-la salvo do fim trágico. Como se dissesse para si mesma: "Ela me salvou, mas eu não pude salvá-la."

Elizabeth se recuperou de todas as tragédias ao longo de sua vida e sobreviveu. Sobreviveu da arte de perder e nos deixou ensinamentos sobre suas perdas.

A peça atualmente pode ser vista no Teatro Eva Herz que fica dentro da Livraria Cultura no Conjunto Nacional,SP. O teatro é pequeno e a melhor fileira é a D,F e G.

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